quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

A Quinta do Bom Sucesso e a Polémica do Shopping


Do outro lado da cidade do Porto, e no seguimento do texto sobre o Palácio do Freixo, irei falar da Quinta do Bom Sucesso, ou pelo menos do que consegui apurar sobre ela, e que, infelizmente, não é muito. Fica a promessa de que este texto será incrementado com novos dados à medida que estes me chegarem às mãos.

Origem
A Quinta de Bom Sucesso era outra das muitas quintas e casas de campo que circundavam a cidade do Porto. Era uma propriedade muito simples, sem que tenha conseguido determinar exactamente a sua dimensão, e nem até que ponto é antiga, embora a casa e a capela que podemos hoje admirar sejam do
século XVIII. A mais antiga referência ao monumento é o registo relativo a uma fonte mandada fazer pelo então proprietário da quinta, António de Almeida Saraiva, um negociante rico residente no Largo de São Domingos e que usava a quinta como casa de veraneio. Embora nada garanta que a propriedade não pode ser mais antiga. Ele terá mandado erguer uma fonte, de que hoje não há vestígios, na propriedade, junto à casa, em que terá colocado a seguinte inscrição, de que temos registo escrito:
Esta fonte mandou-a fazer à sua custa no ano de 1748 António de Almeida Saraiva, senhor desta quinta, e cuja água dará ele e seus sucessores quando e na quantidade que muito lhes parecer. 1748, Nossa Senhora do Bom Sucesso.
A propriedade passou para a filha do mercador, casada com o desembargador António de Sá Lopes. A partir daqui, nada mais consegui descobrir sobre a história da propriedade ou dos seus donos. Apenas consigo dizer o óbvio: esta quinta, como tantas outras, foi sacrificada com o crescimento urbano da cidade. Ainda nos inícios do século XX, esta zona era semi-rural, mas tudo acabou submerso pela cidade.

Não sei dizer quando é que a propriedade foi abandonada pelos seus proprietários e ficou desabitada. Mas sei que estava previsto para o local um espaço verde, segundo o PDM de 1993. Acontece que a Câmara Municipal (dirigida à época por Fernando Gomes) aprovou a construção no local de um arranha-céus de comércio e serviços, ao qual se chamou Bom Sucesso Trade Center, e no qual, em parte, viria a ser instalado o Centro Comercial Cidade do Porto (mais conhecido por Shopping do Bom Sucesso). Essa construção concretizou-se no inicio dos anos 90 e afogou a casa e a capela da antiga quinta, hoje integradas no centro comercial.

A Casa
A casa da quinta é muito simples. A sua frontaria, tirando o seu aspecto nitidamente antigo e rural, nada tem de especial. Tem uma bonita escadaria de acesso a uma varanda exterior na fachada lateral. Hoje em dia, integrada no Bom Sucesso Trade Center, está ocupada pelo restaurante
Casa Agrícola.

A Capela
Esta quinta ficou mais conhecida precisamente pela capela, onde era cultuada Nossa Senhora do Bom Sucesso. As romarias à santa eram habituais, sendo esta uma das santas de devoção preferidas na cidade pelas grávidas, pois acreditava-se que facilitava o parto. A decadência da capela acompanhou, com certeza, a da própria quinta, e a santa acabou esquecida. Não tenho elementos que me permitam datar ou pormenorizar este declínio, mas certamente terá acontecido. Foi integrada no centro comercial, e desde 2000 que recebeu obras de restauro, tanto extruturais e de coberturas como dos interiores. Foi totalmente reabilitada, num esforço conjunto da administração do centro e da Fraternidade Verbum Dei, que aqui ficou sediada. A capela tem capacidade para cerca de 50 pessoas e um retábulo
rocaille em talha dourada, onde, por perda da antiga, foi colocada uma imagem nova de Nossa Senhora do Bom Sucesso. É ali rezada missa todos os dias pelas 18:30.

A Polémica
O Bom Sucesso Trade Center, praticamente desde que foi construído, tem vivido envolto em polémica. Depois da denúncia do arquitecto José Pulido Valente de que a obra havia sido construída de forma ilegal, o processo tem-se arrastado nos tribunais, envolvendo a empresa gestora do imóvel, a Câmara e os arrendatários dos negócios instalados no local.

Fazendo um cômputo geral do processo, ao longo dos anos, avanços, retrocessos, investigações, avaliações, recursos, interposições e demais páginas desta história, os tribunais têm dado razão ao arquitecto, afirmando que
a obra viola o PDM em vigor naquela altura (o de 1993) bem como o art. 2º do decreto nº 37575, de 8-10-49 sobre as distancias entre as construções e os espaços escolares. Assim, anulou a licença municipal passada cinco meses antes da abertura do centro comercial.

Desde então foram vários os tribunais que ditaram que, ou a obra era regulamentada e finalmente tornada legal, ou então teria de ser demolida. A ordem de demolição tem sido impedida por vários meios pela Câmara Municipal, dados os custos da demolição do imóvel, e também das indemnizações a pagar aos diversos ocupantes. Tudo isto custaria cerca de 200 milhões de euros. Tudo indica que, a haver demolição, coisa pouco provável, será já depois de 2010. Isto porque a Câmara e a empresa proprietária do imóvel se têm mostrado a tentar outras vias que não o derrube, que deixaria desalojadas várias firmas e escritórios, os lojistas do centro comercial e ainda um hotel de luxo. Já para os trabalhadores, estes avanços e recuos da justiça já foram tantos que se mostram confiantes e não acreditam na demolição.

A minha opinião
Este é um daqueles marcos da cidade por onde as pessoas são capazes de passar todos os dias e nem se lembrarem que eles existem. Está ali, apenas.

No entanto é importante pelo seu valor estético, como as imagens mostram (são do site do IPPAR, a que recomendo a visita para ver fotos ou a história do nosso património) como também por ser, juntamente com a antiga casa da quinta, um dos testemunhos da vida rural da zona de Massarelos. Por isso, não posso deixar de ver com maus olhos o facto do conjunto patrimonial ter sido a modos que colado a um arranha-céus de vidro, ainda por cima de forma ilegal, pelos vistos.

Mas o que está feito está feito! A construção do prédio podia ter sido impedida antes da construção. Não foi, fizeram a asneira, e agora só se pode remediar, e o melhor é, a meu ver, legalizar o prédio e não demolir. Nem a Câmara quer gastar tanto dinheiro, nem as pessoas desejam certamente abandoná-lo. Assim, não se podendo fazer a decisão correcta, que era não construir o prédio, toma-se a mais aconselhável dadas as circunstâncias. O prédio é "legalizado", as pessoas mantém-se nos seus empregos, a casa e a capela continuam à sombra das torres, e os órgãos respectivos aprendem a lição e, espera-se, não voltarão a meter o pé em semelhante argola.

Quanto à casa e à capela, tenho pena de nunca ter tido oportunidade ou lembrança de lá ir. Quando tentei, a capela estava encerrada, e nunca a vi aberta, confesso. Pelo que não sei como está o interior, embora, pelo que li, me pareça ter sido recuperado na íntegra, decisão que, a confirmar-se, eu aplaudo ruidosamente com ambas as mãos. Já a casa, presumo que tenha sido totalmente alterada interiormente, e que de agricola só tenha a fachada e o nome do restaurante que a ocupou. Não se pode ter tudo...


Para escrever este texto foram consultados:
JN - Imagens de Nossa Senhora e as lendas que a envolvem
JN - No Bom Sucesso a vida continua para lá de 2010
JN - Tribunal manda demolir Bom Sucesso em 42 meses
JN - Shopping pagou obras da Capela do Bom Sucesso
Mercado do Bom Sucesso à Boavista
IPPAR: Casa e Capela do Bom Sucesso
Tetras e Letras: Porto de vista esclarecida (XIII)

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

O Palácio do Freixo - Passado e destino.

A cidade do Porto orgulha-se da sua Catedral, da Torre dos Clérigos, de muitos monumentos que foram sendo construídos ao longo dos seus mais de 1000 anos de História. Mas ignorou outros, verdadeiras pérolas escondidas, muitas das quais ainda permanecem assim, desconhecidas do público geral. O Palácio do Freixo foi um desses espaços que, por muitos anos, permaneceu no esquecimento, tanto da edilidade, quanto da administração estatal, dos próprios donos porventura. Mas as suas origens recuam no tempo, a uma época de palácios, de fausto, de luxo para os que podiam e de vida dura e difícil para os que não podiam ter melhor.

Toda a zona de Campanhã, Azevedo, Freixo e arredores eram, no século XVIII, uma extensa zona de campos e quintas. Estas zonas eram populares entre a alta sociedade tripeira para a construção de magníficos solares, casas apalaçadas, de campo, geralmente associadas a quintas onde eram cultivados os legumes e produtos hortículas que abasteciam diariamente os mercados e os estômagos da cidade. Assim nasceu o Palácio do Freixo, como muitas outras quintas e solares em redor do Porto (posso citar a Quinta da Prelada, a Quinta do Bom Sucesso, a Quinta de Bonjóia e muitas outras, tantas já desaparecidas de todo).


As Origens: os Távora e Noronha

A Quinta do Freixo já existe desde, pelo menos, o séc. XVII, o que não quer dizer que não possa ser mais antiga (apenas consegui apurar a sua história até essa altura). Presumo, aliás, tenho a certeza de que, em algum ponto da propriedade, terá existido outro prédio diferente, do qual porventura teremos uma descrição ou uma imagem nos arquivos da especialidade. Desconheço qual seria o tamanho da propriedade, apenas sei que era tão extensa que a actual Quinta de Vilar d`Allen não existia na época, estando incorporados os terrenos dentro da Quinta do Freixo, foreira ao Cabido da Sé e cujo prazo estava, em 1646, na posse de António Pires Picão, um capitão que residia em Miragaia e que seu filho, Roque Pires Picão, renovou em 1671. Deste sabemos que era capitão de navios, Fidalgo da Casa Real, Cavaleiro da Ordem de Cristo e que casou com D. Isabel Maria Freire. Teve por filha D. Micaela Antónia Freire (1667-1753), que renovou o prazo do pai e era ainda Senhora da Casa de Vandoma. Casou em 1683, com António de Távora e Noronha Leme Cernache (1664-1771), senhor dos direitos reais de Távora e da Quinta da Aveleira, 9º senhor do morgado dos Cernache (Chaves), 6º senhor do morgado de Macieira de Sarnes, padroeiro das igrejas de Santa Eulália, Macieira de Sarnes e São Pedro de César, senhor da colheita de Coja, da Quinta de Loivos da Ribeira e padroeiro de Santa Maria Madalena.

A partir deste momento a propriedade passa a estar associada aos Távoras. A quinta passa para as mãos do filho mais velho de António de Távora, D. Jerónimo de Távora de Noronha (1690-1754), que, para além de herdar os senhorios e vínculos dos pais, era Fidalgo da Casa Real, Deão da Sé do Porto, Provedor da Misericórdia do Porto, Presidente da Irmandade dos Clérigos, senhor das Quintas do Freixo, Fontes e Fonte Pedrinha. Era ainda administrador do vínculo de João Antão Freire, Deão da Sé. Era um homem riquíssimo mas que, como clérigo, não teve filhos conhecidos. Era um amante das artes e da pintura, e tendo posses para tal, mandou vir de Malta um italiano excepcionalmente dotado chamado Nicolau Nasoni (1691-1773), e que viria a deixar marcas na cidade. Logo, quando resolveu construir na Quinta do Freixo um palácio de veraneio para si e para a sua família, encarregou o italiano do projecto, e ele correspondeu com o seu empenho, desejando dar ao seu benfeitor uma moradia magnífica. Assim, o inicio da construção do Palácio do Freixo terá rondado o ano de 1744 (data dos contractos feito entre D. Jerónimo e vários mestres pedreiros encarregados das obras) e estaria quase pronto por volta de 1750-51 (datam dessa altura as obras de estuques).

Com a morte de D. Jerónimo, o palácio passou para um seu irmão, Vicente de Noronha Leme Cernache (1711-1799), cavaleiro da Ordem de Malta e embaixador da ordem junto de D. João V. Este casou com a sobrinha, D. Ana de Távora e Noronha Leme e Cernache (1730-1807), filha de Francisco de Távora e Noronha Leme e Cernache (1704-1738) e D. Leonor Quitéria Samúdio Sarmento (1713-?), filha de Francisco de Sousa Cyrne Soares de Madureira e Azevedo (dos Cyrne da Quinta do Cyrne, onde agora está a Junta de Freguesia do Bonfim).

Vicente de Noronha deixou a casa
à filha mais nova D. Ana Rosa de Noronha Leme e Cernache (1779-1820). Esta filha já não usava o apelido Távora devido à perseguição do Marquês de Pombal a esta família. Veio a casar com João António Salter de Mendonça (1746-1825), 1º Visconde de Azurara, Fidalgo Cavaleiro da Casa Real, Comendador da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, Conselheiro do Rei e Ministro do Reino. A partir de então a Quinta do Freixo incorpora os bens dos Viscondes de Azurara, mas por pouco tempo, já que o 2º Visconde, Jorge Salter de Mendonça (1804-1872), a vendeu por 15 contos de réis a António Afonso Velado, negociante de profissão que enriquecera no Brasil.

O Visconde do Freixo e as Moagens Harmonia.
António Velado empreendeu modificações no palacete, algo degradado. Mandou arrancar o brasão dos anteriores donos (penso que seria um escudo de armas partido, 1º Távora e 2º Cernache) e colocou a sua pedra de armas (escudo partido, 1º Afonso e 2º Cunha). Ainda redecorou as salas. O átrio principal ao gosto árabe (quando o visitei achei-o parecido com o Salão Árabe do Palácio da Bolsa, apesar de anterior) e uma sala do piso térreo decorada com elementos chineses.

No geral, as obras que empreendeu no palácio descaracterizaram completamente o seu interior, não se tendo privado de aplicar elementos novos como cimento e as lousas que até há poucos anos ainda revestiam parte das paredes exteriores. Nos jardins, projectados também por Nasoni (que tinha tido em conta as modas e as características do terreno inclinado, criando um jardim em escadaria para o rio) teve a ideia de instalar uma fábrica de sabão a poente do palácio. Gastou mais de 50 contos de réis.

Apesar de tudo, na sua mão, o palácio conseguiu recuperar uma aura de glória. Em 1872, quando a Família Real se deslocou ao Norte do país para inaugurar as obras da linha de caminho-de-ferro em São Roque da Lameira, António Velado, já
Barão do Freixo (1865), quis receber as cabeças coroadas no seu palácio, e estas honraram-no com a sua presença. A festa desse dia foi tão sumptuosa e elegante que foi notícia no jornal O Comércio do Porto (nº 152) e D. Luís I elevou-o a Visconde.

Após a sua morte, a esposa viúva, Laurinda Lousada, vendeu toda a propriedade a Gustavo Nicolau Alexandre Peters, um burguês abastado de origem alemã. A fábrica de sabão deu lugar a uma destilaria de cereais, que viria a ser destruída por um incêndio em 1890. Mantendo a destilaria na sua posse, Peters vendeu a propriedade dividindo-a, a vários particulares, ficando o palácio para José Maria Rodrigues Formigal, que a vendeu posteriormente por 19 contos de réis à sociedade gestora da Companhia de Moagens Harmonia, que se instalou então numa nova fábrica, construída nem a dez metros das paredes do palácio. Os pisos de cima do palácio foram reservados à administração e secretariado, ficando o térreo a servir como armazém.

Regista-se então a saída de várias peças artísticas do palácio, vendidas e integradas hoje em outras propriedades. O portal principal da Quinta pode ser encontrado hoje a servir de entrada numa quinta em Vitorino das Donas (Ponte de Lima), a quem foi vendido em 1924. Apesar de ter sido declarado Monumento Nacional logo em 1910, a degradação do prédio continuou e de lá continuaram a sair peças, bem como a ser desenvolvida a fábrica à sua volta. Passou para a posse da Câmara Municipal do Porto, já em 1986, o que não levou a que o palácio, já terrivelmente degradado, fosse de alguma forma conservado, o que piorou com um incêndio que deflagrou no seu interior, provocado por marginais que viviam nas suas ruínas. Esse incêndio, bem como a intervenção das mangueiras dos bombeiros, destruiu os interiores por completo.

Que Futuro?
O palácio foi restaurado, finalmente, nos anos 90, no âmbito do projecto Metrópolis, com projecto de restauro de Fernando Távora, que foi concluído em 2003 e terá custado por volta de 2 milhões de euros.
O restauro incluiu o arranjo do palácio, da envolvente, o desvio da EN. 108, que corria à face da fachada e a construção de um pavilhão de exposições que não chegou a ser construído. O restauro abrangeu o edifício das Moagens, que também é pertença da Câmara e iria albergar o Museu da Ciência e Indústria. O restauro merece nota positiva, até pela sua complexidade, comprovada na visita que fiz previamente a uma exposição sobre ele, patente na altura no Museu dos Transportes e Comunicações, em que observei vídeos e plantas que documentavam o restauro em detalhe.

Desde então, o destino do conjunto patrimonial é incerto. O palácio acolheu o Conselho de Ministros, na legislatura de Durão Barroso e parece que o Governo de Santana Lopes pensou em transformá-lo na sede permanente do Governo na cidade, ideia vetada pela Câmara, dona do imóvel e que exigiu o pagamento de renda. Pensou-se ainda em colocar ali o a Governo Civil do Porto e a Área Metropolitana do Porto. Desde então ganhou força a proposta do Grupo Pestana de instalar no palácio e na moagem uma nova Pousada de Portugal, embora sempre vetada, na época, pela Câmara. Entretanto, o palácio foi recebendo eventos esporádicos, como a festa de aniversário de uma empresa imobiliária, uma exposição de camélias, com entrada livre, em Março de 2007 (que visitei, não tanto pelo meu interesse em botânica mas para ver o monumento) bem como uma exposição mais recente e noticiada sobre Salvador Dalí, já com entrada paga.

Mais recentemente, o projecto de uma pousada para o conjunto foi aprovado pela Câmara. Ficou acordado, penso eu, que a pousada ocupará as Moagens Harmonia (contará com 70 quartos), ficando o Palácio com outras valências, possivelmente um restaurante, sala de estar e bar. O Museu da Ciência e Indústria passará para uma ala do edifício da Alfândega. A ligação entre o Palácio e o prédio das Moagens será coberta com uma estrutura em vidro. Os jardins serão visitáveis, num regime que não interfira com o normal funcionamento da pousada. Desconheço se o palácio gozará da mesma possibilidade.

A minha opinião:
O Palácio do Freixo é um imóvel de interesse inegável. Trata-se de um edifício rectangular com quatro torreões em cada canto, que lhe dão um notável sentido de verticalidade, num conjunto em que se destaca mais a horizontalidade, que caracteriza as casas deste género saídas da mão de Nasoni. Isto é, ele não era de fazer solares em que a altura fosse um elemento mais marcante do que a área. E era um adepto dos torreões, como se vê na Casa de Ramalde, mas o que torna o Palácio do Freixo espectacular é, antes do próprio palácio, a sua envolvente.

A porta principal fica de costas para o rio, virada a Norte, numa fachada horizontal. A fachada de serviço, mais verticalizante, apresenta 3 pisos e é a mais simples. A fachada mais espectacular é a Nascente, possuindo uma fantástica escadaria barroca, bem como um coroamento da fachada intrincadamente decorado, onde consta a pedra de armas. A fachada Sul, com vista para o rio, é a mais famosa, e fotografada. Possui também um escadório, mais simples que o da fachada Nascente. E aqui, o coroamento da fachada evoca a família Távora, pois podemos ver um golfinho (o timbre do escudo de armas da família) e em seu redor um coronel de nobreza.

No entanto, quando visitei o palácio fiquei com a certeza de que ainda havia muitos arranjos a serem feitos. Na cozinha o reboco da parede já caía. As únicas casas de banho ficam no térreo, na antiga adega, e só por aí, a ideia de fazer os quartos da pousada no palácio parece-me risível. O restauro das pinturas e tectos está feito, pelo menos de forma parcial, mas parece-me que seria possível fazer algo mais, principalmente no tocante a lareiras e a frescos, de que penso ter visto vestígios.

Faço ainda algumas sugestões e criticas. A ideia dos elevadores, apesar de óptima para os cidadãos com mobilidade reduzida, parece-me condenável naquele prédio, pois ficamos com um elevador pequeno e uma escada ainda mais pequena, que nem permite a passagem simultânea de duas pessoas mais avantajadas. Seria positivo que se tentasse colocar uma escadaria de madeira, similar à original (é possível se empregarem um perito que explique como eram as escadas naquele tipo de casas, em termos de madeiras e do trabalho das mesmas) e retirar aqueles elevadores. Recomendo ainda uma nova e mais cuidada pintura das paredes, que estão mal pintadas, e também o tratamento mais cuidado dos elementos decorativos do Salão Nobre, o mais notável da casa, onde os espelhos podem ser substituídos por espelhos lisos (sem as inestéticas bordas biseladas) e dar uma vistoria aos douramentos, pois podem haver danos pontuais. O mesmo digo em relação aos estuques da Capela.

No que toca aos jardins e exteriores, aconselho a colocação de fontes mais semelhantes às originais, ou a substituição por outro tipo de pedra, preferencialmente o granito, ou mesmo o bronze (que combinam mais com a antiguidade da casa). Recomendo ainda a colocação de buxo, roseiras, cameleiras ou árvores e arbustos de médio porte, tal como era o gosto dos jardins daquele género. Visitem-se os jardins da Casa de Mateus em Vila Real, saberão do que falo. Penso que um roseiral decorado com buxo e estátuas em bronze ou pedra seria uma ideia boa para o terraço frente ao rio. Aconselho o arranjo mais cuidado das balaustradas e escadarias, junto às quais podem ser arranjados bancos em granito ou madeira e floreiras, em cerâmica, bronze ou pedra. E ainda o aproveitamento dos terraços, guaritas e outros elementos decorativos do jardim, de forma a não os deixar transformados em urinóis de ocasião ou lar para namoricos mais ousados.

Quanto à envolvente, julgo que o bosque a Norte do palácio pode receber mais iluminação, pois é escuro ao anoitecer e pode tornar-se perigoso. Também aconselho o tratamento das árvores, com a substituição do eucalipto e pinheiro por carvalhos, cedros, tílias entre outros, coisa que se deve fazer gradualmente e dando tempo ao crescimento devido das árvores. Será também uma boa iniciativa se, nesse ponto do jardim, (aí sim!) se colocarem elementos contemporâneos, deixando a envolvente directa do palácio para elementos de gosto mais revivalista que coloquem aquela parte dos jardins mais similar ao que era no século XVIII, com cuidados especiais ao nível dos materiais e do seu trabalho.

A Poente do Palácio deve ser construído um parque de estacionamento, não em terra batida mas optando pelo alcatrão, lajeado de granito ou uma camada de gravilha. O espaço pode ser alindado com uma ou uma cobertura arbórea que forneça sombra, graça e frescura ao espaço. Deve ser também promovida uma ligação directa e harmoniosa à Marina do Freixo e ao Museu da Imprensa. Tudo isto levará, penso eu, cerca de 20 anos a concluir. Surpresa? Porquê? Inclui as obras nos jardins e o crescimento das árvores! E não é fácil nem rápido arranjar bem arranjado o que esteve tantas décadas a estragar-se!

Quanto às Moagens Harmonia, eu cheguei a pensar que o melhor seria demolir o prédio. Contrariamente ao que muitos afirmam, o edifício não é nenhuma pérola da nossa arquitectura industrial. Ali bem perto, a Fábrica de Massarelos era mais importante e foi demolida quase na totalidade. O edifício seria de preservar se contivesse alguma da maquinaria, mas tudo foi levado, e só ficou o prédio em si. Era assim que eu pensava. Mas a verdade é que muito do património industrial do Porto se tem vindo a perder, e elementos importantes para a economia da cidade têm sido sacrificados. Por isso, mudei de ideias, e defendo claramente a manutenção e preservação das moagens, num conjunto integrado com o palácio.

Para escrever este texto foram consultados:
IPPAR - Palácio do Freixo
Quintas de Campanhã
Geneall.Net - Fórum: Noronha e Távora e Távora de Noronha, do Porto
Lifecooler - Palácio do Freixo
Skyscrapercity - Fórum: Palácio do Freixo vai acolher Pousada de Portugal
Moagens Harmonia, Palácio do Freixo e Pousada