quarta-feira, 28 de abril de 2010

Sé Catedral do Porto

Este monumento, incontornável para a cidade, ergue-se de forma dominante sobre o morro da Penaventosa. As suas origens são antigas, como as do próprio Bispado do Porto, descendente do Bispado de Magnetum (Meinedo, em Lousada). Nessa localidade, ergueu-se uma primitiva basílica, no tempo dos Suevos, de que ainda hoje restam vestígios arqueológicos. Em 1025, o bispo D. Nónego terá construído uma igreja no Porto, perto da actual Catedral, e que mais tarde, com a transferência do bispado (em data incerta), iria ser elevada a Sé. A invasão muçulmana fizera com que a diocese fosse quebrada, não se elegendo mais bispos. Mas a presença árabe, bastante reduzida, veio a ser anulada em 868, quando as tropas de Vímara Peres tomam a cidade de presúria, às ordens de Afonso III das Astúrias. Ocorre que, mesmo com essa conquista, a diocese manteve-se vaga, pois interessava aos Bispos de Braga e de Compostela, em guerra permanente pela importância e número de relíquias e paróquias.

A Diocese do Porto só veio a ser restaurada em 1110, pela mão de D. Teresa, mãe de D. Afonso Henriques. Foi nomeado como bispo o francês D. Hugo, oriundo da Diocese de Compostela, e que foi ali colocado pelo bispo dessa cidade, de modo a roubar importância a Braga, minando essa diocese com a criação de uma nova, a Sul. Foi este bispo que ordenou a construção da actual catedral, testemunho da importância da Igreja naquele período e do desejo de D. Hugo de, mais do que ser um “vassalo” de Compostela, poder autonomizar-se, o que conveio a Braga.
E assim foi sendo construída, ao longo dos anos, a Sé do Porto, num projecto ambicioso para o seu tempo. Em estilo românico, com três naves, transepto, cabeceira tripartida e deambulatório com quatro capelas radiantes, demorou várias décadas a ser terminada, pelo mestre Soeiro Anes já com traços de estilo gótico (a rosácea da fachada).

O bispado foi muito favorecido neste período inicial. O caso mais flagrante é a doação do senhorio da cidade e termo do Porto ao Bispo, em 1114, por D. Teresa, senhorio mais tarde aumentado por D. Afonso Henriques. Esta doação iria estar na origem de muitos problemas entre a Coroa, o Bispado e o burgo, ao longo de toda a Idade Média. Com D. João I, rei que muito amou a cidade, o bispado continuaria sob o favor régio, mesmo depois deste rei comprar o senhorio da cidade ao bispo D. Gil Alma. Relembre-se, neste ponto, o casamento do Mestre de Avis, celebrado na Sé do Porto em 1387 ou, anos depois, o baptismo do Infante D. Henrique, também na Catedral. Há uns anos, este baptismo foi evocado, no contexto do baptismo de Sua Alteza o Infante D. Dinis de Bragança, Duque do Porto, filho de SAR o Duque de Bragança.

Como se comprova, a diocese do Porto rapidamente ganhou importância e a
catedral tornou-se um centro religioso, social e cultural da cidade. Era um sinal claro do poder episcopal, e todos os bispos queriam deixar lá a sua marca. Isso levou a constantes obras, ampliações e melhorias. Logo no século XV, viria a ser construído o claustro gótico, de dois pisos, espaço que deve deter um pouco a nossa atenção. Foi construído para substituir o claustro original, já em ruínas, e é similar aos de Alcobaça, Lisboa e Évora. No século XVIII, foi decorado com azulejos barrocos de António Rifarto, a evocar os Salmos e o Canticum Canticorum. Adossadas ao claustro estão várias capelas, entre elas a capela de João Gordo, um importante burguês da cidade que, no século XV, se quis fazer sepultar em capela própria e com um elaborado túmulo. Podemos ainda ver as capelas de Nossa Senhora do Ó, Nossa Senhora da Conceição, Santa Catarina, Nossa Senhora da Esperança e São Vicente que, com as suas abóbadas de berço, azulejos azuis e brancos e um grande órgão falso, foi palco do velório do rei Carlos Alberto da Sardenha, exilado na cidade nos fins do século XIX. Esta capela serve ainda de acesso a uma cripta subterrânea onde estão sepultados os bispos do Porto.

A catedral em sí é um belo templo, em que, apesar das obras posteriores, a traça românica original não se perdeu completamente. Um observador atento pode ver, na fachada da torre norte, as marcas das unidades de medida em que se devia pagar os impostos ao bispo, bem como uma coca (um barco flamengo medieval) e o signo de Salomão. Possui uma nave tripartida. No transepto existe uma torre-lanterna que datará sensivelmente do período manuelino.
Os altares colaterais (São Pedro e Santíssimo) e laterais (Santa Ana e Nossa Senhora do Presépio) são maneiristas. A capela-mor maneirista é obra do século XVII, ordenada por D. Frei Gonçalo de Morais, que derrubou a capela e charola originais. Está decorada com dois amplos e imponentes cadeirais de pau-preto onde o Cabido ouvia missa. O altar original maneirista foi substituído pelo actual em talha dourada barroca de grande exuberância em 1727, num período de sé vacante, em que a catedral foi sujeita a obras intensas e das quais datam também os dois órgãos da capela-mor, o coroamento bolboso das torres da fachada e o portal, que substituiu o original, em arquivoltas, em 1772. A última adição é um imponente órgão moderno, no coro alto, terminado nos anos noventa. Na catedral existem ainda outras peças de interesse, como a pia baptismal renascentista em mármore rosa e jaspe, o baixo relevo do baptistério, de Teixeira Lopes (pai), as imagens medievais de Nossa Senhora de Vandoma (antiga padroeira da cidade) e Nossa Senhora da Silva e a capela do Santíssimo Sacramento, aberta no séc. XVII e que possui no seu interior um altar de prata cinzelada que, de tão valioso que era, foi pintado de cal branca para que os franceses invasores o julgassem de estuque e não o levassem. Ao lado do templo, desenvolvendo-se paralela à nave, foi construída uma galilé barroca, de traço atribuído a Nicolau Nasoni, e que constitui mais um monumento de relevo, não só pelo excelente trabalho da pedra, como também pelos azulejos soberbos, do século XVIII, que decoram o seu interior.

Ao lado da Catedral, paralelo ao claustro novo e com ele comunicante, foi construída a Casa do Cabido, o segundo monumento abordado neste artigo, e que se integra no conjunto da Catedral. Esta casa apresenta paredes caiadas de branco e ar singelo, tendo sido construída para sede do Cabido da Sé, um órgão colegial composto pelos cónegos do bispo, e cuja missão é coadjuvar o Bispo na gestão da Diocese e da Sé. Hoje em dia está ocupada pelo Museu do Tesouro da Sé, e a entrada faz-se, não pela porta principal, virada para o Terreiro da Sé, mas sim pelo interior da Catedral, num percurso museológico que engloba ainda o claustro e as dependências anexas. O piso térreo, com amplas divisões abobadadas, era onde se recebiam e armazenavam os impostos em cereais e gado pagos ao Bispo. No piso principal, estão a sala do Antecabido, a do Cartório e a do Capítulo, que é a mais importante, pois era o local de reunião do Cabido. Neste belo espaço, o mobiliário ricos de pau-santo convive com um altar em talha dourada, sanefas decoradas e um tecto em masseira com caixotões onde estão pintados São Miguel (padroeiro do Cabido do Porto) e as virtudes episcopais:, autoridade, liberdade, sigilo, concórdia, prémio, clemência, sabedoria, prudência, justiça divina, sapiência, verdade, caridade, mérito e solicitude. Pode ainda ver-se, comunicante com o claustro, a Sacristia do Cabido, de onde se acede a um pátio que é tudo o que resta do claustro original da Sé, e onde estão guardados vários achados arqueológicos, como por exemplo restos do portal original da Sé.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

A Muralha do Bispo


A cidade do Porto, desde que ganhou importância como povoado, esteve sempre munida de defesas militares, ampliadas ou reforçadas ao longo do tempo pelos vários ocupantes da região (Brácaros, Romanos, Suevos, Visigodos e Árabes). As prospecções arqueológicas no morro da Sé apontaram para esse facto como certo, ao descobrirem as ruínas de um castro no local onde hoje ficam a Catedral, o Paço Episcopal e o casario envolvente. Foram ainda descobertos vestígios de muralhas romanas e suevas, sendo que estas últimas foram completamente destruídas em 825, aquando da passagem pela cidade do temível Almançor, que devastou a cidade no seu caminho até Compostela.

Sobre as ruínas destas muralhas mandou Moninho Viegas, cavaleiro da G
asconha e trisavô de Egas Moniz, construir uma nova cintura defensiva, reforçada por torres com grossas ameias de pedra. Esta muralha, que por muitos ainda é chamada de Muralha Sueva (apesar de apenas seguir, grosso modo, o trajecto da muralha que os Suevos construíram) ou de Cerca Velha (por ser mais antiga do que as muito mais famosas Muralhas Fernandinas), circundava o alto do morro da Penaventosa e tinha quatro portas, que davam para os arrabaldes da cidade, já na época povoados:
  • Porta de Vandoma: era a porta principal e a única por onde passavam carros. Foi demolida em 1855, ficava na Calçada de Vandoma.
  • Porta de São Sebastião: estava junto da Casa da Câmara, virada para a Rua de São Sebastião e foi demolida em 1819.
  • Porta de Santana: conhecida por Arco de Santana e celebrizada por Garrett, ficava a meio da Rua das Aldas e foi demolido em 1821.
  • Porta das Mentiras (depois Porta das Verdades): junto às Escadas das Mentiras (hoje Escadas das Verdades), demolida no século XIV.
A muralha existiu durante séculos e teve um papel importante durante a Idade Média, ao assinalar os domínios directos do Bispo, que aqui cobrava o imposto da portagem. Mas se já no tempo de D. Afonso Henriques havia arrabaldes fora da muralha, no reinado de D. Afonso IV havia muito mais cidade fora das muralhas do que dentro delas. Assim, este rei ordenou a construção de novos muros para circundar a cidade: as Muralhas Fernandinas. Desde então, a muralha antiga deixou de ter serventia e foi sendo esquecida. No século XIX foi quase totalmente demolida. Apenas restam alguns vestígios engolidos pelo casario e um pequeno pano com torreão ainda ameado, junto da Calçada de Vandoma.

A Minha Opinião

Esta é uma das curiosidades que o comum dos tripeiros já não sabe. Todos conhecem as Muralhas Fernandinas. Mal se fala nelas, pensamos naquele troço que sobe a escarpa dos Guindais, junto à parte superior da Ponte D. Luís I. Mas quantos já terão reparado no torreão ameado da Muralha do Bispo, que fica quase ao lado? No tempo em que o tabuleiro superior da ponte servia o tráfego automóvel, quem passava pela ponte e via uma das muralhas, via forçosamente a outra. E hoje ainda chama a atenção a muitos turistas, que tiram fotos sem saber o que é. Nesse campo, há uns bons anos, a Câmara teve a brilhante ideia de colocar postes com informação ao lado dos pontos de interesse patrimonial e histórico, o que facilita muito a vida dos turistas e aviva a memória dos locais. Uma ideia positiva.

É curioso pensar um pouco na História. Será que se consegue imaginar a importância que já tiveram as muralhas no Porto, como em qualquer cidade medieval? Claro, em tempo de guerra cabe à muralha defender a cidade, os seus habitantes e haveres do inimigo. Mas mesmo em tempo de paz tinha serventia: mantinha fora da cidade aqueles que não interessavam (indigentes, leprosos, os judeus e mouros das judiarias e mourarias), como sinal de poder (quanto mais alta e possante fosse, mais rica e poderosa era a cidade ou o seu senhor) e como um modo de arrecadar dinheiro (por causa das portagens, pois para cruzar as portas da cidade pagava-se, tanto pela pessoa, como pela carga, carro ou animal). E esta? Quem julgava que as portagens eram uma invenção recente do Governo para arrecadar mais dinheiro ao povo, enganou-se! São algo que sempre existiu e ainda existe, pois ainda pagamos portagens (cada vez mais).

Quanto à muralha em si, conheço muito bem o troço que sobreviveu até hoje, mas acho que se faria bem limpá-lo: a desgraçada da torre está cheia de lixo de toda a sorte, devido (e nisso sejamos sinceros) à falta de civismo e educação dos que ali passam. Será que as pessoas que ali deitam papeis, beatas e até (note-se!) preservativos usados não tiveram pais em casa que lhes dissessem que deitar lixo fora do caixote é feio e lhes dessem uns açoites? Parece. Enfim... quando o pau nasce torto...